Criar um negócio forte e construir um mundo melhor não são objetivos conflitantes – ambos são ingredientes essenciais para o sucesso a longo prazo.
William Clay Ford Jr.
Registros históricos mostram que o ofício de vendedor raramente desfrutou de reputação positiva. Platão e Aristóteles (séc. IV a.C.), que tanto discursaram sobre ética, se referiam a lojistas e comerciantes como “não amigáveis e inconfiáveis”. Na literatura grega, em geral, eram tidos como “trapaceiros, dissimulados e parasitas”.
Para Aristóteles, a ética tinha como cerne delimitar o que é o “bem” e o significado que ele tem para o homem. O filósofo grego preconizava que o bem leva cada indivíduo a ser capaz de viver em sociedade; e afirmava que era no convívio social e cooperativo que o homem se tornava plenamente humano. Em outras palavras, a ética – no campo individual – prepara o terreno para interações virtuosas no campo
coletivo.
Muitos séculos depois, em 1976, Galbraith e Veblen, filósofos e economistas norteamericanos, afirmaram que os profissionais da propaganda não passam de “manipuladores”. Ou seja, parece que durante muito tempo a arena comercial foi um vale-tudo onde o que importava era consumar a venda, não havia espaço para considerações sobre ética ou integridade.
Será que algo mudou?
Neste artigo, vamos partir do pressuposto que o conceito de ética não se presta à segmentação. Isto é, não podemos restringi-lo ao âmbito corporativo, social ou pessoal. Ele pertence a qualquer esfera onde seres humanos pretendam interagir e se desenvolver de forma solidária e sustentável. A ética, em sua amplitude e profundidade, existe em caráter atemporal e sistêmico para sustentar toda e
qualquer influência humana no mundo.
É inegável que o século XXI vem nos impondo mudanças. Vivemos a era da pós modernidade, que se traduz numa realidade fluída, que tende a ignorar barreiras, diluindo crenças e práticas que, até então, suscitavam pouca ambiguidade.
Podemos dizer que vivemos numa sociedade dominada pela tecnologia e submetida a uma profunda crise de valores, para a qual o conceito de ética parece ter se tornado anacrônico.
“Estamos nos afogando em informações e famintos por sabedoria.”
Edward. O. Wilson, biólogo norte-americano
Mas, paradoxalmente, é nesse contexto “líquido”, para usar termo cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que o conceito de ética ressurge revigorado e sob a égide da responsabilidade social. Um sonoro exemplo disso é Philip Kotler (2010), o Pai do Marketing, que nos apresentou o Marketing 3.0, uma visão de marketing reformulada, baseada em valores.
Para o autor, as empresas que souberem se diferenciar pelos seus valores e pelas suas soluções para os problemas da sociedade, e não apenas os do seu consumidor, serão aquelas que se sairão melhor, no longo prazo, na arena competitiva. E para que uma empresa ou profissional se diferencie por seus valores, é necessário criar e sustentar um diálogo transparente com a sociedade e conexo com a imagem
construída em seu relacionamento com o público-alvo.
O marketing centrado exclusivamente no produto, ou mesmo no cliente, pertence ao passado. O marketing pós-moderno se desenvolve desde uma ótica mais humanizada e sistêmica, alinhado com a premissa ética de Aristóteles: é no exercício coletivo que nos tornamos mais humanos.
Uma das principais tendências que levaram Kotler (2010) a desenvolver essa nova abordagem de marketing foi a que ele chama de a “Era da participação”. A “Era da participação” diz respeito à ascensão da tecnologia, em especial das mídias sociais, que permitiram aos consumidores saírem de suas posições passivas, aumentando exponencialmente a conectividade e a interatividade entre pessoas e grupos.
Nesse cenário de transformação digital, sua marca pode se fortalecer e beneficiar? Para muitos profissionais da área do desenvolvimento humano, utilizar o poder do marketing e, ao mesmo tempo, preservar os princípios éticos da sua atividade ainda parece ser um embate difícil de dominar.
Ao nos dedicarmos a uma atividade não-regulamentada, navegamos em território vulnerável que exige máxima cautela. Se considerarmos ainda que, nos últimos anos, o mercado brasileiro de coaching foi inundado por ofertas duvidosas e práticas de marketing negativo, torna-se imperativo que nossas ações – dirigidas a todas as partes interessadas dessa indústria – sejam transparentes, coerentes e empáticas, independentemente de trabalharmos com coaching individual ou coletivo. Entretanto, essa premissa não impede que utilizemos a favor do nosso negócio as muitas ferramentas de marketing disponíveis e encontremos uma forma potente e digna de divulgá-lo.
“Agir de acordo com os padrões éticos de comportamento da ICF é a primeira das
competências essenciais da ICF”.
Federação Internacional de Coaching
A Federação Internacional de Coaching, a maior organização mundial de coaches profissionais e líder da comunidade global de coaching, contempla e reforça a importância do comportamento ético em todo o seu ecossistema.
As seções que estruturam seu Código de Ética e as oito competências essenciais, que demarcam as boas práticas no coaching, nos ajudam a superar desafios que exigem respostas responsáveis a questões imprevistas, dilemas e outras situações recorrentes num ambiente cada vez mais “frágil, ansioso, não-linear e incompreensível” (Jamais Cascio, 2020).
A partir deste enfoque, quero convidá-los a refletir sobre como a ética e o marketing podem encontrar sinergia e contribuir para que a sua prática de coaching, em qualquer das modalidades, seja sustentável, próspera e longeva. Para tanto, escolhi explorar duas das principais dimensões onde a conduta ética pode nos definir e diferenciar como coaches profissionais: no Ser e no Fazer de nossa arte.
Na dimensão do Ser encontra-se o DNA da sua marca e a forma como ela vai se comunicar com o mundo. A identidade de marca vai muito além de um belo design gráfico. A comunicação de marketing, igualmente, não se limita a existência de um site ou a um anúncio de evento no Facebook.
Para decodificar esse DNA, é preciso encontrar a alma da sua marca e a alma da sua marca nada mais é do que um recorte de quem VOCÊ É no mundo. É aquela dimensão do seu espaço interno da qual você vai escolher um ou mais aspectos para construir o que o marketing chama de “Brand Persona”, o seu EU institucional.
Sua Brand Persona carrega o porquê da sua existência, seus valores, seu propósito, seu território, seu tom de fala e o seu manifesto. Com uma identidade de marca bem construída, com alma própria, você cria não só uma conexão poderosa, mas, principalmente, se mantém ancorado no propósito e nos princípios éticos que regem seu negocio.
Aqui o conceito-chave é Confiança e Segurança, intimamente relacionado à Competência 4 – criar um ambiente seguro, confiável e de empatia.
Concluída essa fase, é hora de apresentar sua marca ao mercado e muito embora você possa usar meios tradicionais, se você pretende ampliar e diversificar o diálogo com o seu cliente, indivíduo, grupos ou equipes, os canais digitais são a melhor alternativa.
Marketing 4.0, para Kotler esse é o atual estado-da-arte do Marketing e surge da consolidação do mundo digital e da necessidade de empresas e profissionais de todos os segmentos estarem presentes também nesse ambiente. Estamos diante de uma realidade inexorável: a tecnologia está alterando totalmente o modus operandi da sociedade e, mais especificamente, o comportamento do consumidor. O cliente está mais informado, mais exigente e tem mais opções do que nunca.
Dados recentes confirmam que o mercado online não para de crescer. Por exemplo, a geração Z, formada pelos nativos digitais, representa agora, em 2021, 40% de todo o mercado consumidor, de acordo com uma pesquisa feita pela FastCompany. Já um estudo realizado pelo Pew Research Center, evidencia que os baby boomers, indivíduos na faixa etária dos 50-64 anos, com a contingência imposta pela pandemia, mergulharam na internet e, hoje, se sentem mais à vontade para comprar, jogar e buscar companhia em ambientes virtuais.
Assim, a comunicação online é peça central na consolidação da nossa marca, na construção do nosso relacionamento com o público e, principalmente, na modelagem de uma reputação sólida e idônea. Ela é declaração de compromisso ético e respaldo para o nosso legado.
Com uma comunicação bem estruturada e fértil de significado e relevância, começamos a criar os alicerces que serão sustentados ao longo de toda a jornada de compra do nosso cliente. O conceito-chave nesta fase é Estabelecer e Manter Acordos com todas as partes interessadas, à luz da Competência 3.
No que concerne à dimensão do Fazer, entramos no exercício profissional propriamente dito. A título de enriquecer esta reflexão sobre ética no coaching de grupos e equipes, onde se encontram os interesses de vários intervenientes, trago algumas questões com as quais, eventualmente, nos deparamos em cenários complexos:
Que partes interessadas devo incluir no Acordo?
Deverão algumas partes interessadas ter mais peso do que outras?
Uma vez ponderadas situação e necessidades das partes interessadas, como saber
quais decisões vão privilegiar a ética acima de tudo?
O caminho fácil para essas respostas seria privilegiar o contratante ou apoiar a parte com quem mais concordamos. Entretanto, Linda Fisher Thornton, professora da Universidade de Richmond, recomenda em seu livro – 7 Lentes: Os Princípios e Práticas de Liderança Ética – que extrapolemos a visão dicotômica de certo-errado e, na hora da decisão, nos façamos perguntas que envolvam a perspectiva de indivíduos, comunidades, ecossistemas, da vida como um todo e do Bem Maior.
Embora Linda Fisher tenha desenvolvido essa abordagem pensando em líderes organizacionais, essa estrutura também pode nos servir quando trabalhamos com grupos ou equipes, cenário em que, frequentemente, existem interesses concorrentes. Vale destacar que a ideia não é escolher através de qual das lentes operar, mas, sim, operar com o maior número delas simultaneamente, com o intuito de ampliar nossa perspectiva e a de nossos interlocutores.
Sabemos que isso não é tarefa fácil. Fazer um negócio prosperar – e contribuir para um mundo melhor – requer esforço de quem se propõe a ser agente de transformação. A Humanidade está inaugurando um novo futuro cuja força reside no resgate de nossa consciência ética; é ela que permitirá às próximas gerações evoluir de forma íntegra, autêntica e comprometida com a nossa sobrevivência neste
planeta.
Referências bibliográficas:
KOTLER, P.; Kartajaya, H.; Setiawan, I. Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 – 3ª impressão.
ABBAGNANO, N. História da Filosofia. (Vol. I – 2ª edição) Lisboa: Editorial Presença, 2000.
THORNTON, Linda Fisher. 7 Lenses: Learning the Principles and Practices of Ethical Leadership. Richmond, VA: Leading in Context LLC, 2013.
Artigo publicado na Revista Coaching Brasil, 2022.